O motivo da minha presença em Israel é o programa de voluntariado que existe para os kibbutzim (plural de "kibbutz").
Os kibbutzim começaram por ser assentamentos comunitários criados por judeus que faziam "alyiah" (retorno) para a Palestina no início do século XX e eram dedicados exclusivamente à actividade agrícola.
Os primeiros kibutznikim esperavam ser mais que fazendeiros comuns na Palestina. Eles inclusive esperavam mais que uma pátria judaica lá: eles queria criar um novo tipo de sociedade onde não haveria exploração de ninguém e onde todos seriam iguais. Os primeiros kibutzniks queriam ser tanto livres de trabalhar para outros quanto da exploração de trabalho contratado. Assim nasceu a ideia que judeus se juntariam, administrando sua propriedade em comum, "de cada um, de acordo com sua habilidade, para cada um, de acordo com suas necessidades."
O modo de vida dentro dos kibbutzim era comunitário ao ponto de mesmo as roupas vestidas pelos seus membros serem partilhadas. Em troca do trabalho um kibbutznik (habitante do kibbutz) receberia alimentação, alojamento, água, electricidade, roupa lavada, cuidados médicos, os filhos pequenos ficavam ao cuidado de amas no kibbutz durante todo o dia e assim. Com a evolução dos tempos, os kibbutzim começaram a ter também actividades industriais.
Durante os conflitos pela criação do Estado de Israel, os kibbutzim serviram de posto militar para as forças judaicas.
Os membros dos kibbutzim não eram marxistas ortodoxos. Os marxistas não acreditavam em nações, e os kibutznikim, como sionistas, claramente sim. Os marxistas tradicionais eram hostis ao sionismo, mesmo suas manifestações comunistas. Em sequência ao "Complô dos médicos" e a denúncia de 1956 das atrocidades de Stalin por Nikita Khrushechev no seu Discurso Secreto, muitos dos comunistas linha-dura de kibbutz remanescentes rejeitaram o comunismo. Contudo, até os dias de hoje muitos kibbutzim permanecem um foco de resistência de ideologia de esquerda entre os judeus de Israel.
Ainda que os próprios kibbutznikim tenham praticado o comunismo, eles não acreditam que o mesmo funcionaria para todas as pessoas. Os partidos políticos do Kibbutz nunca pregaram a abolição da propriedade privada. Os kibbutznikim viam os kibbutzim como empresas colectivas dentro de um sistema capitalista. Além disso, kibbutzim são democráticos, conduzindo eleições periódicas para os cargos no Kibbutz, sendo governados democraticamente e participando de maneira activa nas eleições nacionais. Os kibbutznikim, no geral, acreditam no processo político democrático e nunca pregaram uma "ditadura do proletariado".
Deve ser notado que os kibbutzim não eram os únicos empreendimentos comunais em Israel. Israel pré-estado também viu o desenvolvimento de vilas comunais chamadas moshavim (singular: moshav). Em um moshav, comercialização e grandes compras agrícolas eram feitas colectivamente, mas as vidas pessoais eram inteiramente privadas. Apesar de menos famosos que os kibbutzim, moshavim sempre foram mais numerosos e populares que kibbutzim.
O princípio de igualdade era levado extremamente a sério até o final da década de 1970.
Os kibutznikim, individualmente, não possuíam animais, ferramentas ou mesmo roupas. As prendas e os proveitos recebidos do exterior eram entregues à Tesouraria da Comunidade. Se um membro do kibbutz recebesse uma prenda numa qualquer ida ao exterior, como por exemplo a visita a um familiar dentista ou um passeio custeado por um parente, haveria uma discussão nos encontros ao serão acerca da propriedade da prenda ou do acto de aceitá-la.
A chegada de crianças a um kibutz recém-criado apresentava alguns problemas. Se tudo era partilhado igualmente pelos kibutznikim, quem ficaria responsável pelas crianças? A resposta a esta questão era dada atribuindo a responsabilidade das crianças a todos, ao ponto das mães amamentarem crianças que não eram suas.
Na década de 1920 os kibbutzim começaram a prática de criar as crianças comunalmente longe de seus pais em comunidades especiais chamadas "Sociedades das Crianças" (Mossad Hinuchi). A teoria era que enfermeiras treinadas e professores seriam melhores provedores de cuidados que pais amadores. Crianças e parentes teriam melhor relações de acordo com as Sociedades das Crianças, uma vez que os pais não teriam que ser disciplinadores, e não haveria um Complexo de Édipo. Também, se esperava que criar as crianças longe de seus pais liberaria as mães de sua "tragédia biológica". Ao invés de gastar horas em um dia criando filhos, as mulheres poderiam então estar livres para trabalhar ou aproveitar o lazer.
Vidas sociais aconteciam em comum também, não apenas a propriedade. Como um exemplo, a maioria dos refeitórios de kibbutz tinham exclusivamente bancos. Não era apenas uma questão de custo ou conveniência, mas os bancos eram considerados como uma forma de expressar valores comunais. Em alguns kibutzim maridos e esposas foram desencorajados de sentarem-se juntos, uma vez que o casamento era uma espécie de exclusividade. Em The Kibbutz Community and Nation Building, Paula Rayman relata que o Kibutz Har se recusou a comprar chaleiras para seus membros na década de 1950 não porque as chaleiras eram caras, era porque os casais tendo suas próprias chaleiras teria significado que as pessoas passariam mais tempo em apartamentos, ao invés do refeitório comunal.
A vida comunal era naturalmente difícil para as pessoas. Cada kibbutz via novos membros se desligando após alguns anos. Uma vez que os kibbutznikim não tinham conta bancária individual, qualquer compra que não podia ser feita na loja ou cantina do kibbutz tinha que ser aprovada por um comité, uma experiência potencialmente humilhante. Os kibbutzim também tinham sua parcela de membros que não gostavam de trabalho duro, ou que abusavam da propriedade comum. Havia sempre ressentimento contra esses "parasitas". E, finalmente, os kibbutzim, como comunidades pequenas e isoladas, tendiam a ser lugares de coscuvilhice.
Apesar das decisões principais sobre o futuro do kibbutz serem feitas por consenso ou por votação, decisões do dia-a-dia sobre onde as pessoas trabalhariam eram feitas por líderes eleitos. Geralmente, os kibutznikim sabiam de suas obrigações lendo uma folha de obrigações.
As memórias do kibbutz da era pioneira relatam que as reuniões do kibbutz eram discussões acaloradas ou filosóficas de livre pensamento. Observadores dos kibbutz de memórias e registos dos anos 1950 e 1960 relatam que as reuniões de kibbutz eram parecidas com as de negócios e pouco frequentadas.
Os kibbutzim tentaram fazer um rodízio de pessoas em diferentes trabalhos. Uma semana a pessoa poderia trabalhar com plantação, na semana seguinte com gado, a semana seguinte na fábrica do kibutz, na semana seguinte na lavandaria. Mesmo directores teriam que trabalhar em serviços manuais. A rotação era boa no sentido de que todos dividiam todos os tipos de trabalho, mas era nocivo no sentido de impedir que as pessoas se especializassem.
Os kibbutzim foram gradualmente e estavelmente se tornando menos colectivistas nos últimos vinte anos. Ao invés do princípio de "de cada um de acordo com sua habilidade, para cada um de acordo com sua necessidade", os kibbutzim adoptaram "de cada um de acordo com suas preferências, para cada um de acordo com suas necessidades".
As primeiras mudanças a serem feitas foram nos utensílios e no refeitório. Quando a electricidade era "gratuita" os kibbutznikim não tinham incentivo para poupar energia. As pessoas deixavam o ar condicionado ligado constantemente. Nos anos 1980, os kibbutzim começaram a medir o uso de energia. Tendo os kibbutznikim que pagar pelo uso de energia, requeria que eles de facto tivessem dinheiro pessoal. Assim houve o retorno de contas pessoais.
O refeitório também foi uma das primeiras coisas a mudar. Quando a comida era "gratuita", as pessoas não tinham incentivo para pegar o montante apropriado. Cada refeitório de kibbutz terminaria a noite com quantias enormes de comida a mais; geralmente essa comida era dada aos animais. Agora, 75 por cento dos refeitórios de kibbutz são pagos conforme o consumo.
Os kibbutznikim vêem seus vizinhos mais que a maioria dos outros israelitas, mas ele começaram a viver vidas privadas. Muitos refeitórios de kibbutz não estão mais abertos para três refeições ao dia. As famílias de kibbutz têm aparelhos de DVD e internet assim como outras famílias de israelítas. Actividades colectivas são muito menos frequentes do que eram no passado. Ao invés de discussões que duravam a noite toda sobre questões cósmicas, as reuniões gerais do kibbutz são agora marcadas sem uma frequência regular.
Talvez o exemplo mais dramático de como os kibbutzim abandonaram o princípio de igualdade é a implementação de salários diferenciados. Um gerente de fábrica agora recebe um montante pessoal maior que um operário de fábrica, ou um trabalhador rural.
Nos anos 1970 praticamente todos os kibbutzim abandonaram as Sociedades de Crianças em favor de um núcleo familiar. As razões eram muitas: alguns kibbutzim acreditavam que a vida comunal para a criança levava a problemas psicológicos; alguns diziam que desistir da própria criança era um sacrifício muito grande para os pais; as crianças elas mesmas disseram que se lembram de estarem com medo à noite no escuro, longe de seus pais.
Desde o final dos anos 1970, os kibbutzim perderam prestígio aos olhos dos israelitas de fora deles. A imagem do kibbutznik foi de pioneiro, de auto-sacrifício, e guardião das fronteiras do estado para uma de consumidor alternativo, idealista e subsidiado.
Existem várias causas para a perda do prestígio. Uma razão é que as populações Mizrahi de Israel e religiosos se tornaram maiores e mais assertivas. Por várias razões, os kibbutzim nunca atraíram um grande número de judeus não-ashkenazitas. Nos anos 1980, quando virtualmente qualquer outra instituição de Israel estava inteiramente integrada entre Ashkenazim e Mizrahim, os kibbutzim permaneceram como bastiões ashkenazim. Os kibbutzim, sendo praticamente todos seculares, também tornaram-se menos respeitados enquanto Israel tornou-se mais religioso. Nessa época, os kibbutzim não tinham a permissão de participar da absorção de judeus etíopes, uma vez que havia o temor que o secularismo dos kibbutzim influenciaria a religiosidade dos imigrantes etíopes.
A industrialização do kibbutz nos anos 1960 levou a um aumento no padrão de vida do kibbutz, mas essa melhoria no padrão de vida significava um final ao auto-sacrifício que o israelita normal tanto havia admirado. Em sua campanha de 1977 para primeiro-ministro, Menachem Begin atacou kibutznikim como "milionários com piscinas" e foi premiado com a primeira vitória de todos os tempos da direita.
Finalmente, a necessidade de ajuda financeira do governo feriu a imagem do kibbutz. Nos anos 1970 e início dos 80, Israel experienciou hiperinflação - até 400 porcento ao ano. Durante esse período, os kibbutzim emprestaram excessivamente com a expectativa que a inflação eliminaria virtualmente suas dívidas. Quando o governo israelita implementou um programa de austeridade que abaixou a inflação para 20 porcento ao ano, os kibbutzim foram deixados com biliões em dívidas que eles não poderiam pagar. O resgate financeiro por parte do governo, bancos e kibbutzim lucrativos custou ao movimento kibbutz considerável respeito.
Os kibbutzim foram também criticados por falharem em viver de acordo com seus princípios. A maioria dos kibbutzim não são auto-suficientes e têm que empregar não-membros do kibbutz como trabalhadores do campo (ou mais tarde trabalhadores de indústria). O que foi particularmente controverso foi o emprego de mão de obra árabe enquanto excluía deles a possibilidade de unirem-se ao kibbutz como membros plenos.
Nas décadas mais recentes, os kibbutzim foram criticados por abandonar princípios socialistas e ao invés disso, tentarem ser competitivos no mercado. O kibutz Shamir é proprietário de uma companhia de produtos ópticos que é listada na bolsa de valores NASDAQ. Numerosos kibbutzim deixaram de cultivar a terra e ao invés disso desenvolveram parte de suas propriedades para fins comerciais e industriais, construindo centros de compras e fábricas em terras do kibbutz que servem para empregar não-membros do kibbutz enquanto o kibbutz retém o lucro de aluguer das terras ou vendas. Da mesma forma, kibutzim que não se engajaram nesse tipo de desenvolvimento foram criticados por tornar-se dependentes de subsídios do estado para sobreviver.
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